Convidamos todos vocês a percorrerem
conosco um espaço muito importante, que
chamamos “Educação Infantil”. São caminhos
que passam por diversas abordagens
dos conteúdos de Educação Infantil,
oferencendo aos educadores várias
possibilidades de despertarem para a
sensibilidade e a sabedoria das crianças.
1. O Cotidiano
no Centro de
Educação Infantil
Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Cadernos Pedagógicos – volume 4
Brasília, janeiro de 2005
2. Edições UNESCO
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Alvana Bof
Candido Gomes
Célio da Cunha
Katherine Grigsby
Marilza Machado Regattieri
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação
dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas,
que não são necessariamente as da UNESCO, do Banco Mundial
e da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, nem comprometem as Organizações.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.
3. O Cotidiano
no Centro de
Educação Infantil
Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Cadernos Pedagógicos – volume 4
FUNDAÇAO
MAURICIO SIROTKY SOBRINHO
Organização: OMEP
5. Sumário
Apresentação ........................................................................................................... 7
Introdução ............................................................................................................... 9
Educar versus cuidar .............................................................................................. 11
Elizabeth Amorim
Entrando em um novo mundo ................................................................................ 17
Elizabeth Amorim
Agressividade e limites: possibilidades de intervenção............................................ 23
Loide Pereira Trois
Saúde da criança.................................................................................................... 31
Halei Cruz
Organização do tempo e do espaço ...................................................................... 51
Elizabeth Amorim
A pedagogia de projetos e a mediação do educador .............................................. 61
Elizabeth Amorim e Maria Helena L opes
Proposta pedagógica e relações centro infantil, família e comunidade .................... 75
Elizabeth Amorim e Maria Helena L opes
Acompanhamento e avaliação das crianças no centro infantil ................................ 85
Elizabeth Amorim
7. Apresentação
O novo ordenamento legal, inaugurado pela Constituição Federal de 1988, assegura à criança
brasileira o atendimento em creche e pré-escola e, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em 1996, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeira
etapa da Educação Básica. Essa importante conquista nacional reitera um dos postulados da
Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, no ano de 1990, de que a
aprendizagem ocorre desde o nascimento e requer educação e cuidado na primeira infância.
Nas últimas décadas, várias pesquisas têm demonstrado que os primeiros seis anos de vida
de uma criança se constituem em período de intenso aprendizado e desenvolvimento, em que
se assentam as bases do “aprender a conhecer”, “aprender a viver junto”, “aprender a fazer” e
“aprender a ser”. O atendimento educacional de qualidade, nessa fase da vida, tem um
impacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo, gerando benefícios
educacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento na
área social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de reprovação e
abandono escolar, bem como maior probabilidade de completar o ensino médio foram
observados entre os que tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparados
aos que não tiveram essa oportunidade. A freqüência a instituições de educação infantil afeta
positivamente o itinerário de vida das crianças, contribuindo significativamente para a sua
realização pessoal e profissional.
Esse reconhecimento levou as nações a assumirem em Dacar, em 2000, entre os compro-
missos pela Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta e melhorar a qualidade da
educação e dos cuidados na primeira infância, com especial atenção às crianças em situação
de vulnerabilidade. Essa é uma das seis metas expressas no Marco de Ação de Dacar, do qual o
Brasil é um dos signatários, sendo a UNESCO a instituição das Nações Unidas que tem, entre
suas atribuições, a de apoiar os países no cumprimento dessa agenda.
Em 2003, a Representação da UNESCO no Brasil, o Banco Mundial e a Fundação Maurício
Sirotsky Sobrinho firmaram parceria para a realização do Programa Fundo do Milênio para a
Primeira Infância em alguns estados do País. Esse desafio foi lançado pelo Banco Mundial e
prontamente acolhido pela UNESCO e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, que com-
partilham a firme convicção de que garantir uma educação de qualidade desde os primeiros
anos de vida é um dos mais importantes investimentos que uma nação pode fazer.
O Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância tem como principal objetivo a qualifica-
ção do atendimento em creches e pré-escolas, preferencialmente da rede privada sem fins
8. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
lucrativos, isto é, de instituições comunitárias, filantrópicas e confessionais que atendem crianças em
situação de vulnerabilidade social. A principal estratégia do programa é a formação em serviço dos
profissionais de Educação Infantil, considerando que a qualificação do educador é reconhecidamente
um dos fatores mais relevantes para a promoção de padrões de qualidade adequados na educação,
qualquer que seja o nível, a etapa ou a modalidade. No caso da Educação Infantil, em que o
profissional tem a dupla responsabilidade de cuidar e educar bebês e crianças de até seis anos, sua
formação é uma das variáveis que maior impacto causa sobre a qualidade do atendimento.
A série Fundo do Milênio para a Primeira Infância – Cadernos Pedagógicos constitui-se em
importante recurso à formação continuada dos educadores. Seus quatro volumes, a saber, Olha-
res das Ciências sobre as Crianças; A Criança Descobrindo, Interpretando e Agindo sobre o
Mundo; Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil e O Cotidiano no
Centro de Educação Infantil, apresentam as principais temáticas relativas à aprendizagem e ao
desenvolvimento infantil.
Pretende-se, portanto, que o presente volume e os demais dessa série constituam-se em importante
ferramenta de trabalho para os profissionais da área de Educação Infantil, proporcionando o acesso a
novos e atualizados conhecimentos, a reflexão crítica e a construção de práticas inovadoras àqueles que
têm em suas mãos a difícil e apaixonante tarefa de educar nossas crianças.
Desejamos, ainda, compartilhar essa realização com a Organização Mundial de Educação
Pré-escolar (OMEP – Porto Alegre), reconhecendo sua colaboração inestimável, e com os Empre-
endedores Associados ao Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância, que comungam
conosco a visão de que os primeiros anos de vida valem para sempre e de que a educação de
qualidade, desde a mais tenra infância, é fundamental para a construção de um Brasil mais
desenvolvido, mais humano e socialmente mais justo.
Jorge Werthein Vinod Thomas Nelson Pacheco Sirotsky
Representante da UNESCO no Brasil Diretor do Banco Mundial no Brasil Presidente da Fundação
Maurício Sirotsky Sobrinho
8
9. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
toda essa curiosidade, dessa avidez pela
ntrodução descoberta, pela surpresa e pela alegria,
as crianças abrem-se como pequenos
Convidamos todos vocês a percorrerem “girassóis”, receptivas a tudo e a todos,
conosco um espaço muito importante, que buscando a riqueza da luz. Ao recebê-las,
chamamos “Educação Infantil”. São cami- o que precisamos é redescobrir com elas
nhos que passam por diversas abordagens o ser poético, a espontaneidade, a capa-
dos conteúdos de Educação Infantil, cidade de filosofar sobre as coisas e
oferencendo aos educadores várias reconhecer suas diferenças e peculiaridades.
possibilidades de despertarem para a
sensibilidade e a sabedoria das crianças. Assim, elas nos sensibilizarão ao retorno
à natureza, à alegria do jogo, do brincar e
É um trajeto interessante, vivo e da poesia. Nós lhes daremos a certeza
comprometido com a reflexão inteligente, de que trabalharemos pela defesa
com a disposição afetiva e com o desejo de seus direitos.
de tentar vencer os obstáculos.
Por elas, abriremos o livro da história e
Nosso veículo será a leitura de alguns das tradições. Partilharão conosco do
textos importantes, que terão como centro mundo, serão também artífices da
a Educação Infantil e as ações e vivências manifestação cultural e construtoras de
que podemos realizar com nossas crian- sua própria história.
ças. Muitos desses assuntos já são conhe-
cidos, mas uma releitura sempre traz Com elas,
novidades, assim como uma viagem em construiremos um
Foto: Sebastião Barbosa
boa companhia. Na busca do melhor futuro mais feliz,
convívio possível, vamos nos envolver em porque através do
reflexões sobre algumas teorias deslumbramento
importantes, que nos auxiliarão a repen- de seu olhar
sarmos melhor as práticas com as crianças. reencontraremos a pureza de nossa alma e
a certeza do profundo e transcendente
Para que isso se torne realidade, temos milagre da vida.
que aprender a observá-las e a ouvi-las,
pois, quando se expressam, querem Contamos com a parceria de todos
sempre nos contar coisas e nos questionar. nessa desafiadora aventura pelo espaço
muito especial que envolve a criança que
Que mundo é este que nos recebe? nos é confiada na maior parte de seu dia.
Como são as pessoas? O que é a natureza?
Quem sou eu? E muito mais. Diante de
9
10. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Para transitar pelos
caminhos da infância, é
preciso ter um olhar atento,
pisar com suavidade,
reconhecer seu espaço e
abraçar seu tempo.
Tudo isso porque fazemos
parte de seu mundo. Somos
responsáveis pelas crianças,
por sua alegria, e cabe-nos
orientá-las para jogar o jogo
da vida.
Para seguir suas trilhas,
temos de conhecer seus
anseios, identificar suas
carências e apresentar-lhes
ricas possibilidades.
É preciso projetar
alternativas criativas e
oferecer-lhes um caminho
seguro em direção à
felicidade.
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / PRODEI / Gian Calvi
10
11. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
ducar versus Cuidar Mesmo hoje, ainda vemos nomenclatu-
ras distintas para atendimento de 0 a 3
Elizabeth Amorim anos e de 4 a 6 anos. Por isso, nos per-
Bebê
guntamos: por que creche e pré-escola, e
Coisinha deficiente, inconsciente, inerme, não somente educação infantil? Por que
inválida, trabalhosa, querida. reafirmar essa divisão, se o que
Mário Quintana – Na volta da esquina
desejamos é exatamente o contrário?
Eu educo ou cuido? Cuido e educo? Na realidade, a educação infantil
Afinal, qual é o meu papel? atende crianças de 0 a 6 anos, e é isso
que interessa. Crianças de origens diferen-
Provavelmente você já se questionou ciadas, mas que têm em comum o “ser
frente a essa dúvida, principalmente se criança”, que se assemelham em algumas
atende crianças até a faixa etária características e que brincam, inventam e
dos 3 anos. sonham.
Por muito tempo, a ênfase no cuidado Felizmente, os avanços nos estudos
dominou o atendimento nos programas referentes à aprendizagem e ao
de creches, enquanto os programas pré- desenvolvimento infantil comprovam
escolares tinham o enfoque educacional ser a criança uma curiosa exploradora
como predominância; portanto, o “divór- do mundo físico e social. Desde bebês,
cio” entre educar e cuidar apresenta
longa tradição no atendimento infantil.
Ilustração: Nela Marín e Gian Calvi / Kit Família Brasileira Fortalecida / UNICEF
11
12. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
as crianças são capazes de estabelecer Isso significa, em outras palavras, que
relações significativas com os adultos e cuidar inclui também preocupar-se com a
os companheiros numa variedade e organização do Centro Infantil, de seus
complexidade bem maiores do que o horários, de seus espaços e dos materiais.
constatado no passado. Igualmente Isto é, que seja um ambiente acolhedor e
percebemos a criança como um ser agradável, seguro e alegre, que possa
global, sejam quais forem as oferecer experiências ricas e adequadas
circunstâncias e situações, para as crianças que ali convivem diaria-
independentemente de classe social, mente. O ambiente e os momentos po-
raça ou quaisquer outras diferenças. dem ser planejados de modo que
oportunizem autonomia nas rotinas,
A relevante integração entre educar como vestir-se e despir-se, proceder à
e cuidar lembra-nos que as atividades higiene das mãos e da boca, alimentar-se,
rotineiras também auxiliam na constru- etc. Cabe ao educador identificar em
ção da identidade de uma criança. O cada uma dessas ações de cuidados as
que essa integração – educar e cuidar – inúmeras possibilidades educativas. Por
na realidade quer enfatizar é a relevân- exemplo, nessas ações que citamos, as
cia e o direito da criança de ser crianças estarão experimentando a consis-
educada e cuidada. Não existe uma tência dos materiais de higiene, a leveza
forma de atendimento que dicotomize das roupas e a espessura dos panos, as
o cuidar do educador na Educação cores e os sabores dos alimentos.
Infantil. Deve haver uma perfeita
sintonia entre o adulto – educador e Os cuidados com a saúde (higiene,
cuidador – e a criança a ser educada e alimentação, crescimento e desenvol-
cuidada. Assim, em estado de vimento) são também educativos,
harmonia, os momentos vividos serão constituindo-se em funções a serem
prazerosos e promoverão múltiplas vivenciadas e executadas por crianças e
aprendizagens, motivo pelo qual se faz educadores.
necessário proporcionar envolvimento
e atividades compartilhadas, em que Todos os momentos vividos pela
ora a iniciativa é do adulto, ora é da criança são educativos, na medida em
criança. A maneira de pensar e agir que ela está constantemente aprenden-
que associa cuidado e educação preci- do, através da sua interação com o meio
sa permear todo o projeto pedagógico que a rodeia. Dessa forma, as dimensões
dos centros infantis. do cuidado relativo à alimentação, ao
sono, à higiene, à saúde, etc., são
educativas sim!
12
13. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Quando trocar a fralda de um bebê, atendidos em suas necessidades básicas e
por exemplo, é importante conversar de afeto. A educação e o cuidado são
com ele, pois os olhos se encontram, há uma necessidade e um direito da criança
toque, sensação tátil e movimento; este é primeiramente, mas também das famílias
um momento de interação, momento de que depositam confiança no trabalho que
vínculo e aprendizagem. Por outro lado, os centros realizam.
quando você está com um grupo na faixa
etária de 4 a 5 anos realizando a higiene A maneira como você recebe, todos os
que antecede o lanche, há diálogos dias, cada criança e tudo o que acontece
sobre esse momento e sua necessidade, com vocês até a hora da saída são
igualmente o contato com a água, vivências que contribuem para o desenvol-
quente ou fria, a fricção com a toalha. vimento infantil, são geradoras de
Novamente este é um momento conhecimento e, portanto, educativas.
educativo! Então, o conjunto de todas essas experiên-
cias que se interpenetram são,
E o lanche então! Rico encontro social intrinsecamente, educação e cuidado.
e de aprendizado em
que partilhamos, vemos
se há comida para todo
mundo, diferenciamos
alimentos, comparamos,
classificamos e assim
por diante.
Outro aspecto
importante a destacar é
a expectativa que as
famílias têm ao deixa-
rem seus filhos nos
Foto: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / PRODEI / Gian Calvi
Centros Infantis.
Almejam uma
educação de qualidade,
que promova o desen-
volvimento cognitivo e
social, mas também
esperam que seus filhos
sejam bem cuidados e
13
14. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Nesse contexto, podemos hoje supe- reciprocidade e da complementaridade
rar a cisão maléfica na atuação com a existente entre tudo e todos.
criança; na realidade, jamais deveríamos
utilizar separadamente esses dois termos Concluindo – ou resumindo – as
e, por conseqüência, o sentido deles. idéias aqui expostas, reiteramos enfati-
No educar, está “embutido” o cuidar, camente a necessidade de se ter claro
pois a instituição infantil possui um i- que, na instituição infantil, todas as
nequívoco caráter educacional, mesmo tarefas, brincadeiras e atividades
porque a criança tem não somente ne- realizadas têm valor educativo e
cessidade, mas também direito de ser envolvem cuidado.
cuidada e educada. Referências Bibliográficas
Definitivamente, devemos tirar de AMORIM, Elizabeth. A dimensão do cuidado essencial no fazer
pedagógico infantil como exigência primeira na construção da
nossas mentes a dicotomia educar/cui- cidadania planetária. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo,
dar; somente assim não mais a verba- Faculdade de Educação da UNISINOS, 2002.
lizaremos e, o que é mais importante, BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão
pela terra. 6.ed. Petrópolis Vozes, 2000.
estaremos integrando cuidado e edu- CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo:
cação em nossos fazeres cotidianos. Gente, 2001.
DIDONET, Vital. Não há educação sem cuidado. Porto Alegre,
Sedimentando o que até agora discuti- Pátio Educação Infantil, n.1, . p. 6-9 abr/jul. 2003.
HADDAD, Lenira. A ecologia do atendimento infantil:
mos, não podemos deixar de conceituar o construindo um modelo e sistema unificado de cuidado e
cuidado na sua dimensão maior, que o educação. Tese de Doutorado. São Paulo, Faculdade de Educação
da USP, 1997.
designa não como um ato isolado, mas, KULISZ, Beatriz. Prática pedagógica na educação infantil:
antes, como uma atitude de zelo, preocupa- indicações para a construção de um referencial pedagógico.
ção, responsabilidade e envolvimento afeti- Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, Faculdade de Educação da
PUCRS, 2001.
vo. Ou seja, o cuidado envolve atenção e ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. A necessária associação
afeto, pois somente cuidamos daquilo que entre educar e cuidar. Porto Alegre, Pátio Educação Infantil, n.1,
p.10-12, abr./jul. 2003.
gostamos e desejamos preservar.
O cuidado encontra-se na base da
constituição do homem, já que sem ele
não seríamos humanos. Implica aconche-
go, afeto, ternura, sintonia e, sobretudo,
implica valorizar e importar-se, com o
outro e com o mundo, não focando so-
mente o valor utilitário, mas primordial-
mente a dimensão do respeito, da
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15. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Atividades de Estudo e “Por sua própria natureza, cuidado inclui
Aprofundamento duas significações básicas, intimamente
Maria Helena Lopes ligadas entre si. A primeira, atitude de
desvelo, de solicitude e de atenção para com
“... gostaria de propor uma reflexão o outro. A segunda, de preocupação e de
interessante. Na época em que vivemos, em inquietação, porque a pessoa que tem
que a maior ou menor oportunidade de cuidado se sente envolvida e afetivamente
acesso ao conhecimento define muitas vezes ligada ao outro.”
o futuro de uma pessoa, as atividades de Leonardo Boff
cuidado assumem cada vez mais uma posição
de destaque. As máquinas e os robôs • Quais são as possibilidades educa-
puderam substituir o ser humano em várias tivas das crianças ao serem atendidas em
tarefas, mas não nas de cuidado! O setor no suas necessidades de alimentação,
qual mais crescem as oportunidades de higienização, repouso, lazer e afeto?
emprego é o de serviços. E a competência
neles exigida envolve também delicadeza e
cuidado no trato. Outros setores que
apresentam acentuado crescimento dizem
respeito diretamente ao cuidado das pessoas
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi
e do ambiente ecológico. Cabe, então, a
pergunta: será que estaremos preparando um
futuro melhor para nossas crianças se
deixarmos o cuidado de fora das tarefas
educativas em nossas creches e pré-escolas?”
Maria Clotilde Rossetti-Ferreira (2003, p. 12)
• Debata com seus colegas
a citação acima, relacionando-a com
as idéias do texto Educar versus Cuidar.
A partir das idéias levantadas com
o grupo, responda à pergunta
que finaliza a citação.
15
16. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Foto: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / PRODEI / Gian Calvi
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17. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
mesma, de acordo, é claro, com o seu
ntrando em um Novo desenvolvimento. Sendo assim, será vá-
Mundo lido denominarmos como adaptação o
Elisabeth Amorim tempo referente aos primeiros dias do
ingresso da criança na instituição
Conceitos1 infantil?
Adaptar: amoldar, apropriar,
O que realmente desejamos desse
conformar.
momento de transição: que a criança se
Adaptado: acomodado, amoldado,
molde ao meio, ou que se integre,
ajustado.
sentindo-se parte dele?
Integrar: tornar-se inteiro; com-
pletar, integrar, integralizar; juntar-se É tempo de parar, parar e refletir sobre
tornando-se parte integrante, reunir-se, em que ideário estamos alicerçados...
incorporar-se.
Integrado: diz-se de cada uma das “Com freqüência ‘deixar a casa’ é uma
partes de um todo que se completam experiência mais forte do que ‘entrar na
escola’.[...] Existe muito pouco crescimento se
ou se complementam.
não há algum tipo de sofrimento ou ansiedade.
Não poderíamos, neste momento, Quando damos um passo à frente, para um
deixar de refletir sobre os termos novo estágio ou desafio, deixamos,
mencionados, já que trataremos sobre a necessariamente, algo para trás. Sem esses
altos e baixos a vida seria plana e as pessoas
adaptação da criança à instituição
não se desenvolveriam. Quanto mais jovem for
infantil.
o indivíduo, mais ajuda ele precisará ter para
Muitas vezes, e esta é uma delas, seguir em frente sem maiores sofrimentos.”
utilizamos palavras sem realmente nos Nancy Balaban
aprofundar sobre os seus significados e, A separação é uma experiência que
conseqüentemente, se ela é adequada à ocorre em todas as fases da vida huma-
situação. na. Ela começa quando o bebê deixa o
O termo adaptação é o mais indicado conhecido e aconchegante útero mater-
ao período a que nos referimos? É sabido no e entra em um mundo de sons, luzes
que a educação infantil tem a autonomia e contatos. Daí em diante, ela se encon-
como um de seus pilares, pois oferece tra no aprender a andar, no dormir na
situações para que a criança aja por si casa dos avós, na entrada na escola, na
briga com o(a) namorado(a), no casa-
1
Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s.d.
17
18. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
mento e em inúmeras outras situações. É ponto pacífico a forte e profunda
vinculação mãe/filho; por isso, Gilda
Em todas esses acontecimentos, há o Rizzo (2000) afirma que o período de
abandono de um território familiar e o integração “envolve muitos fatores e o
ingresso no desconhecido, no novo sentimento de, pelo menos, duas pes-
ainda não experimentado. Também não é soas: mãe e filho”, acrescentando ainda
assim o que acontece conosco cada vez que “o nível de segurança afetiva de uma
que uma turminha nos “deixa” e entra criança é muito dependente do nível de
outra, ainda por nós desconhecida? segurança afetiva básica da mãe”.
Como será cada criança, como reagirá
ao ambiente e a mim? Como EU reagi- A integração de um bebê até em
rei? Terei a sensibilidade necessária? É o torno de 7 ou 8 meses é, normalmente,
que nos perguntamos. tranqüila, pois ainda não entrou na cha-
mada época do “estranhamento” a am-
Por isso, os dias iniciais na instituição bientes e pessoas. Então, é a mãe que
infantil exigem sempre um esforço de “se integra”, passando alguns períodos
integração conjunta da instituição, da observando como as crianças são atendi-
família e da criança. Até esse momento, das nos diferentes momentos pela equipe
habitualmente a criança conviveu basi- do berçário.
camente com sua família e no cotidiano
somente com as pessoas de sua casa. No A partir dessa idade, é comum as crian-
lar, além da segurança da forte ças reagirem a novos ambientes; as carac-
vinculação afetiva, há também a segu- terísticas individuais nortearão as
rança do lugar conhecido, que pode ser diferentes reações que devem ser respeita-
explorado a todo momento, tanto os das, bem como a busca de alternativas
cômodos quanto os objetos. facilitadoras deve estar presente, porque
precisamos lembrar que, até esse momen-
Já na instituição infantil tudo é novo e, to, o parâmetro da criança era a família,
por conseqüência, desconhecido: mudam seus hábitos e comportamentos. Dessa
o espaço, a rotina, as pessoas... A criança forma, ela espera que você aja e tenha as
passa a conviver com mais adultos e crian- mesmas reações dos adultos que ela co-
ças em um ambiente estranho. O novo nhece, principalmente dos pais. Leva
mundo afeta também sua família, que sofre tempo para as crianças perceberem que
com esse processo de encaixar horários, adultos diferentes se comportam de
mudança de rotina e questionamentos maneira diferente, e também demora um
sobre como a criança será atendida. pouco para elas diferenciarem o que
18
19. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
acontece em casa daquilo que acontece O vínculo com a educadora, nesses
no centro infantil. primeiros dias, é o objetivo primordial,
visto ser através dele que a criança se
Para a criança, as regras e os compor- sentirá segura para interagir nesse novo
tamentos familiares são universais; então, mundo. É você quem vai auxiliar cada
causa estranheza, por exemplo, poder criança a familiarizar-se com o novo
sujar as mãos se em casa não pode ou, ambiente, seus hábitos e rotinas, é
ainda, você agir de forma diferente de você que, através de demonstrações de
sua mãe. Por isso, é necessário “avaliar” segurança e tranqüilidade, mostrará
todo o ambiente que a cerca – humano e que ela é aceita, respeitada e entendida
físico – e essa “avaliação” é realizada de nesse meio que, apesar de novo, é
acordo com a maneira como cada organizado e preparado para ela.
criança reage a situações novas.
É por tudo isso que, no livro O início
Esse novo mundo – o centro infantil – da vida escolar, Nancy Balaban diz que
traz curiosidade, expectativa, inseguran- as crianças sentem-se estranhas num
ça e, às vezes,
muito medo!
Será que vão
saber cuidar de
mim? E se eu
ficar doente? Se
eu cair? Se a
mamãe não vier
me buscar? Se
eu fizer xixi nas
calças? Se eu
não quiser
comer? Quem
Foto: Unicef
sabe que eu não
gosto de beter-
raba ou de abó- grupo novo que é diferente do seu grupo
bora? Na verdade, são muitos “se”, são familiar e no qual elas não têm um status
várias e diferentes dúvidas que, consci- especial. Nesse local, talvez só você,
ente ou inconscientemente, causam educadora, saiba seus nomes, e ninguém
grande apreensão! realmente gosta ou não delas de alguma
19
20. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
maneira especial. Elas “não têm o seu fase muitas vezes é confuso, pois,
lugar natural nesse grupo, mas vão ter mesmo percebendo que essa transição é
que conquistá-lo através de seu compor- necessária e boa para a criança, sentem-
tamento. Embora elas ainda não saibam se culpados, com sensação de perda e
disto, é provável que o sintam”. apreensivos por entregarem o que eles
têm de mais precioso a pessoas que, até
Como vimos, as crianças reagem aquele momento, ainda são estranhas.
diferentemente umas das outras: algumas Por isso, os pais precisam ser igualmente
mostram-se desconfiadas, ou choram, ou atendidos nessa fase de transição, devem
não aceitam contato; outras ingressam perceber que o centro infantil – e princi-
querendo explorar todo o ambiente, ou palmente você – entende que vários
tentando deter-se em tudo ao mesmo tipos de emoção estão aí envolvidos e
tempo. que é impossível compreender os senti-
Essa transição e o estabelecimento de mentos da criança sem avaliar simultane-
confiança é gradativo, motivo pelo qual, amente os sentimentos deles, uma vez
durante os primeiros dias, é aconselhável que este é um acontecimento significati-
que a criança permaneça por um perío- vo para ambos.
do menor do que o normal na institui- A reação da criança está muito ligada
ção. Esse tempo vai sendo prolongado ao estilo de vida de sua família, bem
gradativamente, à medida que você como ao tipo de relações dos adultos
percebe que a criança tranqüiliza-se e que a rodeiam e, principalmente, à sua
age com maior naturalidade. relação com a mãe. Também a maneira
Dentro do possível, é importante a como a mãe encara essa separação
presença familiar – principalmente a influencia de forma direta o comporta-
materna – no ambiente da instituição mento da criança: se ela tem pena, medo
durante esse processo, o que permite não de dividir, ou fantasias em relação a
somente maior segurança para a criança, como seu filho será tratado, com certeza
como também à família conhecer melhor dificultará o processo.
o local e a educadora. O comportamento Quando há um bom nível de segu-
familiar nesse momento é fundamental, rança emocional, isto é, se a criança
pois, com já dissemos, ele será um dos estabeleceu uma relação de confiança
parâmetros percebidos pela criança. com a mãe, ela consegue, gradativa-
Os sentimentos dos pais durante essa mente, ficar afastada dela sem ter
medo de perdê-la. Tranqüilidade e
20
21. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
segurança, sem sentimento de culpa, é a
“Vai aqui este pedido aos professores, pedido
conduta indicada, e a instituição deve
de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das
encontrar-se permanentemente à disposi-
crianças: lembrem-se de que vocês são
ção para esclarecer dúvidas e anseios. Por pastores da alegria e de que sua responsa-
isso, o período de integração deve ser bilidade primeira é definida por um rosto
cuidadosamente planejado para que que lhes faz um pedido ‘Por favor, me ajude
sejam construídos a confiança e o conhe- a ser feliz...’”
cimento mútuos. É desse modo que Rubem Alves
acontece o estabelecimento de vínculos
Referências Bibliogáficas
afetivos entre as crianças, as famílias e os
educadores. BALABAN, Nancy. O início da vida escolar: da separação à
independência. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Assim, é permitido à família CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São
Paulo: Gente, 2001.
conscientizar-se de que a instituição está OLIVEIRA, Zilma de Moraes (Org.) Educação infantil: muitos
habituada com esse momento e as educa- olhares. São Paulo: Cortez, 1994.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes et al. Creches, faz-de-conta e cia.
doras, aptas a controlar as situações que 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
surgirem. Essa parceria torna o processo de RESTREPO, Luis Carlos. O direito à ternura. Petrópolis: Vozes, 2000.
transição não somente mais tranqüilo, mas, RIZZO, Gilda. Creche: organização, montagem e
funcionamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
sobretudo, representa o início de
uma desejada, agradável e
gratificante caminhada.
Foto: Sebastião Barbosa
21
22. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Atividades de Estudo e Aprofundamento
Elisabeth Amorim
“O vivido só se torna recordação da lei da
narração(...). E aí se torna outra vez vivo,
aberto, produtivo. A memória que lê e que
conta é a memória em que o ‘era uma vez’
converte-se em um ‘começa’!”
Jorge Larrosa
• Você se lembra do seu primeiro dia
na escola? Quais eram os sentimentos:
ansiedade, medo, expectativa, excitação?
A lancheira foi aberta? Como era a edu-
cadora? O que marcou em você? Se você
não se lembra desses detalhes, pergunte
a seus pais como foi.
• Recorde, através da narração,
algum fato ou situação em que sua vida
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi
sofreu mudança e, portanto, o novo e o
desconhecido foram enfrentados.
Quais foram os sentimentos e as reações?
• Cite alguns procedimentos
indicados para o período de integração
da criança ao Centro Infantil.
22
23. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
de toda pulsão, de todo impulso,
gressividade e Limites: constituindo nossos instintos de
possibilidades de autopreservação, instintos sexuais, de
intervenção destruição e de todo desejo. São as
pulsões de vida e de morte que constitu-
Loide Pereira Trois em a natureza humana. Todos os indiví-
duos possuem instintos agressivos que se
“É necessário que o adulto entenda, aceite e
desenvolvem à medida que crescemos e
valorize que a criança, ao brincar, necessita
derrubar a torre de blocos de montar para
interagimos com o nosso meio ambiente.
que assim possa valorizar a sua própria Esses impulsos podem ser observados em
capacidade de construir e errar.” nossos comportamentos e atitudes, mas
Donald Winicott
sua origem não é consciente, ou seja,
fazem parte de nosso psiquismo, do
Para que possamos entender as dife- nosso inconsciente.
rentes manifestações da agressividade, é
importante considerar que o erro faz É importante destacar que os impulsos
parte de toda aprendizagem. Assim, para agressivos são constituintes de nosso
montar uma torre de blocos, teremos desenvolvimento humano e que, por isso,
que aprender a derrubá-la e ir refazendo não podem ser analisados como patológi-
esse gesto até a descoberta da cos. Cabe aqui diferenciarmos as manifes-
construção desse novo conhecimento. tações da agressividade e o ato agressivo.
Partimos, então, da noção de que, ao
longo do desenvolvimento humano,
existem momentos de acerto e de erro
na construção de nossos valores e con-
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi
ceitos. O elemento fundamental nesse
processo é a crença em nossa própria
capacidade de superar conflitos e
crescer com os desafios que nos são
colocados.
Conforme Sigmund Freud, grande
pensador que estudou e desvendou a
psique humana e nos deixou como
legado a descoberta da noção de
inconsciente, a agressividade faz parte
23
24. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
O ato agressivo dificulta a nossa ser atendido em suas necessidades vitais.
capacidade de pensar, indicando riscos Posteriormente, a criança passa a explorar
para nossa aprendizagem. Por trás de um mais ativamente o meio em que está
ato agressivo não existe uma intenciona- inserida e, assim, puxa, empurra, bate, joga
lidade hostil consciente da criança; ao objetos que estão ao seu alcance para
contrário, ela está nos mostrando que conhecer e aprender sobre os mesmos.
algo não vai bem, que ela não está con-
seguindo lidar com seus impulsos agres- Numa etapa seguinte, surgem as
sivos de maneira sadia, ou seja, é um mordidas, um período maturacional da
pedido de ajuda para que o outro lhe criança que é percebido pelo apareci-
mostre um modo de veicular sua energia mento dos dentes e sua conseqüente uti-
de forma construtiva. É uma energia pul- lização: ela morde pela necessidade de
sional que necessita ser canalizada para saciar sua ansiedade. Por volta dos 2 anos,
fins socialmente aceitos e produtivos a criança inicia seu processo de controle
para que ocorra um crescimento pessoal esfincteriano, que vai se consolidar por
e aprendizagem. volta dos 3 anos, período em que os im-
pulsos agressivos são manifestados através
Se afirmamos que uma criança é agres- da produção dos excrementos (fezes e u-
siva, estamos considerando que esta é uma rina), e a criança tenta controlar o meio
característica e um traço da identidade que a cerca.
dela e impedindo a percepção de que a
criança está em formação e que, portanto, A partir dos 4 ou 5 anos, vemos que os
trata-se de características que podem ser impulsos agressivos são direcionados à
transitórias em seu desenvolvimento. figura dos adultos como desafio a autori-
Desse modo, a criança está agressiva por dade, ou seja, é uma fase de “ teste”, na
alguma causa e pode cometer atos qual a criança passa a questionar os limi-
agressivos que posteriormente poderão ser tes de suas ações. Os impulsos agressivos
reparados em seu comportamento. são manifestados através de várias atitu-
des que interpelam a capacidade de to-
Vejamos como se manifestam os impul- lerância, paciência e firmeza da figura de
sos agressivos ao longo de nosso desenvol- autoridade evocada. Como resultado des-
vimento humano. Inicialmente, os nossos sa fase, temos a formação do sentimento
impulsos agressivos são manifestados de respeito e a noção de limite interna-
através de nosso instinto de sobrevivência. lizada pela criança. Podemos perceber
O choro do bebê apresenta seu estado de que os impulsos agressivos estão presen-
desconforto, desprazer (dor, frio) ou neces- tes e vão evoluindo ao longo de nosso
sidade nutricional (fome): ele chora para desenvolvimento. Uma vez que esses
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25. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
impulsos sejam canalizados e desviados Se como educadores não somos
para outros fins, intensificando sua ma- capazes de elaborar perguntas, formular
nifestação, passam a ser considerados e hipóteses e usar a nossa criatividade
transformados em agressão ou ato frente à agressão da criança, frente à
agressivo. situação que deu origem a esse ato, é o
próprio educador que está se agredindo
Como educadores, conhecemos bem o por estar se considerando incapaz e
que se sente diante de um ato agressivo. impedindo seu próprio crescimento
Vivencia-se sentimentos de angústia, de diante desse desafio.
dor, de não saber. O fundamental, nesse
momento, é tomar distância do ocorrido e É importante que possamos estabele-
tentar escutar o que a criança está cer laços afetivos seguros e verdadeiros
querendo dizer em cada chute, em cada com as crianças, compreendendo-as até
empurrão, em cada palavra ou gesto. mesmo em suas reações agressivas.
Nessa compreensão, não se trata de
É preciso se descentrar e incluir o “deixar assim mesmo”, “esperar passar”
pensamento como um terceiro termo ou sentir pena da criança, mas
entre o educador e a criança. Desse justamente confiar na sua capacidade de
modo, estaremos possibilitando um
espaço de indagação e questionamento
sobre o ato formulando perguntas, co-
mo: a quem essa criança agride quando
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS/Gian Calvi
me agride?
Quando um aluno enfrenta agressiva-
mente o educador, e este pensa que a a-
gressão é para ele, está colocando-se num
nível imaginário a partir do qual só vai
aumentar a atuação agressiva da criança,
impedindo a formação de um espaço de
diálogo e reflexão. É preciso ter em mente
que a criança está agredindo através de
mim outras situações presentes e
passadas na sua história. É
necessário, para compreender essa
ação, descobrir a que ações, a que
atitudes essa agressão se dirige.
25
26. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
resolver o conflito, de superar esse pro- As saídas para as situações de agres-
blema no amparo seguro da relação são são complexas; no entanto, a resolu-
afetiva com o educador. ção da agressão através de outra agressão
favorece a manutenção do comporta-
A noção de limites se coloca através mento agressivo. As punições e coações
da formação do sentimento de respeito à abusivas do adulto diminuem o comporta-
figura de autoridade e da aposta na mento agressivo temporariamente,
capacidade de reparação do erro. reaparecendo-o em contextos diferentes e,
O importante é fazer com que a criança muitas vezes, com mais intensidade.
retire dessa situação elementos significati- Somos adultos, mas a criança de
vos para sua aprendizagem, repare o erro, nossa infância habita dentro de nós e,
procure tomar mais cuidado e atenção da por vezes, precisamos revisar nossas
próxima vez para que não volte a repetir o próprias convicções morais, éticas, e
ato agressivo. Assim, estamos conduzindo pensar sobre a forma como fomos
a criança a pensar sobre seus atos e modifi- educados, como vivemos nossa
car suas atitudes pela reflexão e pelo infância, buscando qualificar a nossa
entendimento do que ela mesmo faz e formação pessoal e transformar a nossa
provoca. ação educativa.
As atitudes de repressão, castigo O educador é modelo, é uma refe-
ou humilhações apenas provocam um rência estruturante para a criança. As
sentimento de desvalia e obediência crianças aprendem não apenas com o
cega, sem a conscientização do ato que é dito, mas sobretudo com o que
errado por parte da criança. Um outro vêem, com a coerência entre as ações
sentimento freqüente diante de situa- e o discurso dos educadores; assim,
ções de conflitos e brigas entre as quando apresentamos modelos pau-
crianças, e para o qual devemos ter tados no diálogo, na cooperação, na
bastante atenção, é quando uma crian- solidariedade, esses serão repetidos e
ça agride outra pessoa. Por vezes, po- valorizados pela criança. Quando a
demos nos identificar com o agredido criança aprende a resolver verbalmen-
e tomar partido frente à agressão. te seus conflitos, explicando o que
Aliando-nos com a pessoa agredida e aconteceu e entendendo os motivos e
culpabilizando ao extremo a criança as conseqüências de seus atos, as
envolvida, não estamos tomando dis- situações de agressão e os atos agres-
tância e refletindo sobre o ato sivos diminuem. Nesse caso, é funda-
agressivo, mas sim fechando uma mental que haja a valorização dessa
interpretação.
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27. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
conquista, reforçando-se a aprendiza-
gem da criança.
Como educadores, temos a possibi-
lidade de criar espaços de aprendiza-
gem nos quais a agressividade possa
se manifestar de forma sadia e equili-
brada e nos quais os atos agressivos
não sejam mais necessários. Acreditar
em nossa capacidade de superar essas
situações, tomando-as como desafios
constantes em nosso fazer cotidiano, é
acreditar em nossa capacidade de
transformar e de educar.
Referências Bibliográficas
BIAGGIO, A. Psicologia do desenvolvimento. Rio de
Janeiro: Vozes, 1985.
DELL’AGLIO, D. Controle esfincteriano. UFRGS, 1993
(mimeo).
FERNANDEZ, A. A mulher escondida na professora:
uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da
corporeidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,
1993.
FERNANDEZ, A. Agressividade: qual teu papel na
aprendizagem? Revista Paixão de Aprender.
MACHADO, M. C.; NOGUEIRA, N. Como lidar com a
criança agressiva. Revista Nova Escola, n.4, 1986.
REDL, F.; WINEMAM, D. A criança agressiva. São Paulo:
Martins Fontes, 1985.
Ilustração de criança do abrigo Maria Goretti / Colombia
27
28. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Atividades de Estudo e Aprofundamento logo para a briga, empurra, joga objetos,
Loide Pereira Trois bate ou chuta os colegas.
Leia com atenção o caso relatado A intervenção da educadora, nessas
abaixo. situações, é utilizar o diálogo e buscar,
com ele, as explicações para seus atos
Pedro é aluno de um Centro Infantil errados. Embora ele a escute e preste
há três anos, sua adaptação foi bastante atenção em sua conversa, não consegue,
tumultuada, não queria ficar no Centro posteriormente, cumprir exatamente o
de Educação Infantil e nem separar-se de que foi combinado com ela e, algumas
sua mãe, fato que a deixava muito ansio- vezes, explica à educadora: “eu não
sa e insegura. Aos poucos, com a ajuda e consigo me segurar” .
intervenção da educadora e dos demais
integrantes da instituição, foi adaptando-
se ao grupo e participando da rotina
diária.
Desse modo, foi aceitando melhor a
separação de sua mãe e promovendo uma
maior segurança e bem-estar a ela. A mãe
do menino começou a ficar mais
confiante em seu filho, aspecto que lhe
era muito difícil, pois na maioria das
vezes considerava-o frágil, com “muita
dificuldade” e necessitando sempre de
ajuda para fazer qualquer coisa.
Após esse período de adaptação, o
menino passa a participar ativamente das
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS/Gian Calvi
atividades, entende a rotina diária, é
interessado, discute suas idéias e brinca
com todos os colegas; no entanto, quan-
do é contrariado, fica irritado, muito
furioso e não aceita nenhuma forma de
negociação ou cumprimento das regras
de convivência. Nesses momentos, cos-
tuma reagir de forma impulsiva e parte
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29. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Responda e Registre
• O que você pensa sobre as atitudes
do menino?
• Como podemos caracterizar o
comportamento desse menino com
relação à agressividade e aos limites?
• Qual seria sua forma de atuação se
fosses educador nesse caso?
Leia com atenção a cena abaixo:
Marcos e Pedro são colegas da escola
e ambos tem 5 anos. Marcos é uma
criança bastante ativa, interessada em
conhecer o ambiente e aceita com muita
facilidade desafios. Pedro não tem
irmãos, mora com seus avós e adora
brincar de jogar bola, subir em árvores,
correr e superar limites.
Numa tarde, na hora do pátio, quan-
do estavam brincando de futebol, dispu-
taram a bola para fazer o gol e acabaram
se empurrando. Pedro ficou muito bravo
e começou a gritar e a chutar Marcos.
Marcos chorou muito e foi socorrido pela
educadora que estava no pátio.
Diante dessa cena do cotidiano e com
base na leitura do texto, responda:
• Qual seria a intervenção do educa-
dor buscando promover a consciência
do ato agressivo?
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30. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Foto: Sebastião Barbosa
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31. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
dessas populações, através da educação
e do cuidado das crianças.
aúde da Criança
Halei Cruz Nessas ações estão incluídos alguns
fatores que devem fazer parte da prática
“São direitos fundamentais da criança dos responsáveis pela saúde infantil
a proteção à vida e à saúde, mediante a dentro e fora de creches e centros de
efetivação das políticas sociais públicas que Educação Infantil.
permitam o nascimento e o desenvolvimento
harmonioso, em condições dignas de Procuramos abordar, neste artigo, os
existência.” conhecimentos fundamentais que dizem
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA respeito às medidas preventivas de risco
à saúde das crianças, ao seu crescimento,
Em primeiro lugar, pensar em saúde à alimentação e aos cuidados.
infantil, principalmente na faixa de 0 a 6
anos, é caracterizar o cumprimento dos Precisamos conhecer e operar dentro
direitos da primeira infância a uma vida do trinômio educação + saúde + assis-
digna, feliz e saudável. tência social, com vistas a colaborar no
desenvolvimento da criança com a maior
É certo que já existem leis que qualidade possível .
regulamentam os direitos das crianças
e políticas intersetoriais que operam Nessa concepção, não há áreas estan-
em seu favor. No entanto, há que se ques. Devemos considerar a saúde de
considerar as grandes dificuldades a forma simultânea, como o conjunto de
serem vencidas para que tais políticas ações nas quais estejam envolvidos os
atendam, se não à totalidade, pelo programas de serviços sociais básicos de
menos a maioria de nossas crianças. educação, assistência social, lazer e
cultura.
Muitas ações sociais ainda precisam
ser desenvolvidas para que se dê plena O crescimento da criança
garantia de saúde a um número significa- O crescimento, assim como o desen-
tivo de crianças, principalmente àquelas volvimento, é o resultado de modifi-
pertencentes às camadas mais carentes e cações estruturais e funcionais que
que, em nosso país, representam um ocorrem no indivíduo desde a concep-
número considerável. ção até a idade adulta.
As instituições de Educação Infantil Muitas vezes, há confusão entre o
assumem sua parcela de responsabilida- significado dos termos crescimento e
de na tarefa de minimizar as carências desenvolvimento, mas cada fenômeno
31
32. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
tem suas características próprias. En- indivíduo poderá crescer.
quanto o crescimento se refere ao • Emocionais – o afeto, a atenção e a
aumento das dimensões do corpo, o sensação de segurança favorecem o
desenvolvimento significa aquisição de crescimento.
habilidades como andar ou falar. O • Socioeconômicos – crianças que
crescimento se deve ao aumento de vivem em ambiente de baixo nível socio-
volume e do número de células do econômico tendem a apresentar atraso
organismo, e o desenvolvimento decorre no crescimento.
da maturação, da diferenciação e da • Nutricionais – a alimentação ade-
capacidade de ação integrada dos quada fornece matéria-prima para o
sistemas orgânicos. crescimento e a multiplicação das
células.
Todos os animais crescem e se • Neuroendócrinos – os sistemas ner-
desenvolvem, mas no homem esses voso e endócrino (produtor de hormônios)
processos ocorrem de forma mais lenta e são responsáveis pela regulação do funcio-
complexa. Os fatores que interferem no namento do organismo. Desequilíbrios
crescimento são: nesses sistemas produzem alterações no
• Genéticos – determinam o poten- crescimento.
cial de crescimento, isto é, o quanto o O crescimento se inicia a partir da
fecundação,
isto é, da união
do espermato-
zóide com o
óvulo. O perío-
do de cresci-
mento da
criança dentro
do útero mater-
no é chamado
de período pré-
natal e, após o
nascimento,
período pós-
Foto: UNICEF
natal.
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33. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
O período pré-natal compreende duas materna deficiente leva à maior probabi-
fases: a embrionária e a fetal. lidade de nascimento de uma criança
com baixo peso. Considera-se recém-
Na fase embrionária, correspondente nascido de baixo peso a criança que
ao primeiro trimestre da gravidez, o ser apresenta peso inferior a 2.500 gramas
em crescimento é denominado de em- no momento do nascimento. Essas crian-
brião. Nessa etapa, o crescimento é ças têm maiores chances de adoecer e
lento, ocorrendo a diferenciação das até mesmo de morrer do que as crianças
células para formar órgãos e sistemas. A que nascem com peso adequado.
exposição do embrião a agentes
externos, como radiação, infecções, uso O crescimento pós-natal se dá em
de álcool, medicamentos e outras drogas quatro fases:
pela mãe, pode levar à ocorrência de • Primeira Infância – do nascimento
malformações que são alterações na aos 3 anos. É uma fase de crescimento
estrutura e no funcionamento de órgãos. rápido, apesar de mais lento que na fase
fetal. Nessa etapa, as carências
Na fase fetal, correspondente aos nutricionais e as infecções constituem os
segundo e terceiro trimestres da gesta- maiores riscos para a saúde e a vida das
ção, há uma aceleração do processo de crianças. Se compararmos o crescimento
crescimento. A criança em formação é do indivíduo em toda a sua vida, após o
chamada, então, de feto. É a fase da vida nascimento, essa etapa é aquela em que
em que o crescimento se faz com maior ele acontece com maior velocidade,
velocidade e sofre grande influência do principalmente no primeiro ano de vida.
estado nutricional da mãe. A alimentação Ao completar um ano, a criança triplicou
Ilustração: Nela Marín e Gian Calvi/Kit Família Brasileira Fortalecida/UNICEF
33
34. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
o seu peso de nascimento e aumentou As crianças com atraso no crescimen-
em 50% a sua estatura. to, ocasionado por fatores como desnu-
trição ou infecções, tendem a apresentar
• Segunda Infância – corresponde ao velocidade de crescimento maior que a
período entre os 3 e os 10 anos. A esperada para a idade após a correção
velocidade de crescimento se mantém daqueles fatores. Esse fenômeno é cha-
constante e mais lenta que na fase anterior. mado crescimento compensatório e
• Adolescência – correspondente ao ocorre até que a criança alcance o nível
período entre os 10 e os 18 a 20 anos. que teria se não houvesse o atraso. É
Há um período inicial de aceleração da observado, principalmente, nas crianças
velocidade de crescimento (estirão abaixo de 2 anos.
pubertário) cujo máximo se dá em torno O acompanhamento do crescimento
dos 12 anos, para as meninas, e 14 anos, e do desenvolvimento da criança, nos
para os meninos. A partir daí, a velocida- serviços de saúde, permite detectar
de de crescimento diminui. precocemente, e assim tratar eficazmen-
• Parada do Crescimento – ocorre te, problemas que podem comprometer,
entre os 18 e os 21 anos, quando o muitas vezes de forma grave, a sua saúde
indivíduo alcança o seu ponto máximo e o seu futuro.
de crescimento. Alguns tecidos, como a Para o acompanhamento do
pele, continuam seu processo de multi- crescimento, utilizam-se gráficos com
plicação celular. curvas de referência. Os gráficos mais
A necessidade de maior demanda usados, para crianças, são os que
nutricional no período de crescimento permitem analisar a evolução do seu
determina maior risco à saúde. Quanto peso no decorrer do tempo, tomado em
maior a velocidade de crescimento, meses, chamados de gráficos de peso
maior será o efeito nocivo da deficiência para a idade. Outros tipos de gráficos
nutricional no indivíduo. Portanto, os podem ser utilizados, de acordo com o
períodos de maior risco são o pré-natal, objetivo da avaliação do crescimento,
a primeira infância e a adolescência. Ao como o de estatura para a idade ou o
longo deles é que se deve atuar com de peso para estatura.
mais atenção aos cuidados de saúde, Considera-se que o crescimento é
como alimentação adequada e preven- adequado quando a criança apresenta
ção de infecções. sempre ganho de peso a cada avaliação,
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35. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
principalmente se a sua curva de mentos, o que é chamado de desmame.
crescimento acompanha as curvas do
gráfico de referência. Devido ao seu valor nutritivo e às
vantagens do seu uso, para a criança e
Todas as crianças devem ter seu para a mãe, o leite materno deve ser
crescimento acompanhado, em avalia- oferecido à criança até os 2 anos, segun-
ções periódicas, nas consultas aos servi- do a orientação da Organização Mundial
ços de saúde. de Saúde (OMS).
A vida e a saúde da criança são direi- O leite de outros animais eventual-
tos universais e garantidos pelo Estatuto mente pode ser oferecido ao bebê, mas
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/ com grandes desvantagens em relação ao
90), que regulamenta o artigo 227 da leite humano. Isso porque cada animal
Constituição da República Federativa do produz leite de composição específica
Brasil. O acompanhamento do cresci- para as necessidades nutritivas e o ritmo
mento é a ação de saúde que mais repre- de crescimento dos indivíduos da sua
senta a garantia dos direitos da criança. espécie (Tabela 1).
Alimentação da criança
A alimentação é um dos mais impor-
tantes fatores responsáveis pelo cresci-
mento do indivíduo. É fundamental que
todos os que trabalham com crianças
contribuam para que elas tenham acesso
à alimentação em quantidade adequada,
de boa qualidade, tanto no valor
nutritivo como no aspecto de higiene.
No início de sua vida, o alimento mais
importante para a criança é o leite de
sua mãe. Até completar 6 meses,
Ilustração: Nela Marín e Gian Calvi/Kit Família Brasileira Fortalecida/UNICEF
o bebê não necessita de outro
alimento ou líquido que não
seja o leite materno. A partir
daí, deve continuar sendo
amamentado ao peito,
mas com acréscimo
gradativo de outros ali-
35
36. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
Tabela 1 – Tempo para duplicação do possam causar reações alérgicas no seu
peso de alguns animais organismo.
Animal / Duplicação de peso
Tabela 2 – Diferenças constitucionais
Homem / 180 dias Cavalo / 60 dias entre leites
Vaca / 47 dias Cabra / 22 dias Humano Vaca Cabra
Carneiro / 15 dias Porco / 14 dias Energia (Kcal) 68 68 72
Gato / 09 dias Cão / 09 dias Proteínas (g/100ml) 1.2 3.6 4.0
Cobaia / 06 dias Gorduras (g/100ml) 3.8 3.6 4.0
Fonte: Crespin, 1992.
Lactose (g/100ml) 7.0 4.5 4.0
Minerais (g/100ml) 0.2 0.7 0.8
As vantagens do leite materno para Fontes: King, 2001; Wehba, 1991; Pernetta, 1979.
o ser humano, em relação a outros
tipos de leite, são numerosas e, entre • Equilíbrio emocional – a amamen-
elas, temos: tação possibilita o reforço do laço afetivo
entre a mãe e a criança, proporcionando
• Valor nutritivo – o leite materno sensação de bem-estar para ambas.
possui nutrientes na quantidade e na
• Desenvolvimento – crianças ama-
proporção ideais para o crescimento e o
mentadas exclusivamente ao peito, nos
desenvolvimento adequado da criança
primeiros seis meses de vida, tendem a
(Tabela 2).
ser pessoas mais extrovertidas, confiantes
• Digestão – devido à constituição e inteligentes. Segundo alguns autores,
adequada ao organismo do bebê, o leite crianças alimentadas com leite materno
materno é facilmente digerido, não raramente apresentam, na idade adulta,
provocando distúrbios digestivos como distúrbios sexuais, tendência ao uso de
diarréia ou “prisão de ventre”. álcool, de outras drogas ou ao suicídio.
• Imunidade – o leite humano possui • Economia – o leite materno não
substâncias e células que protegem o precisa ser comprado, o que gera grande
organismo do bebê das principais doen- economia para a família.
ças infecciosas que podem levar a graves
• Praticidade – o leite materno já está
conseqüências. Por isso, a criança que
pronto e na temperatura ideal para o
mama no peito raramente adoece.
consumo da criança, dispensando gasto
• Alergias – por ser produzido natural- de tempo para o preparo.
mente para a criança, o leite materno
não apresenta elementos estranhos que
36
37. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
• Anticoncepção – mulheres que ama- Na impossibilidade do uso de leite
mentam seus bebês, exclusivamente e materno, recomenda-se algum tipo de leite
durante os seis primeiros meses, têm pouca de vaca (em pó) modificado, a chamada
probabilidade de engravidar nesse período. fórmula infantil. Está demonstrado que
alimentação de crianças menores de um
• Prevenção de câncer – a ano com leite integral (em pó ou ao natural)
amamentação confere à mãe proteção não-humano pode provocar anemias,
contra o câncer de mama (antes da distúrbios nos intestinos e nos rins, além de
menopausa) e de ovário. Essa proteção é alergias, devido à composição estranha ao
tanto maior quanto mais
longo é o período de
amamentação.
• Retorno à forma
física – o início da
amamentação precoce,
isto é, logo após o nasci-
mento do bebê, reduz o
sangramento uterino pós-
parto e facilita a perda de
peso da mãe, acelerando
o processo de retorno do
corpo à forma física
anterior à gravidez.
A amamentação não
apresenta desvantagens e
suas contra-indicações
são raras, limitando-se ao
uso de alguns medica-
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / PRODEI / Gian Calvi
mentos pela mãe e para a
mãe portadora do vírus
da imunodeficiência
humana adquirida (HIV).
37
38. Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4
seu organismo. As modificações produzidas ingredientes devem ser cozidos e
industrialmente nesses leites visam à redu- amassados. Evita-se o uso de liquidificador
ção da ocorrência desses distúrbios. para que o estímulo à mastigação não seja
prejudicado. A papa deve conter, pelo
A partir dos seis meses de vida, a crian- menos, um alimento de cada grupo
ça, mesmo amamentada no peito, deve (Tabela 3).
começar a receber outros alimentos, pois a
partir daí o leite, isoladamente, não conse- Tabela 3 – Grupos de alimentos constitu-
gue suprir suas necessidades energéticas. intes da papa de hortaliças
Não é recomendada a introdução de Grupo / Nutriente Básico / Fonte
alimentos que não o leite materno antes do
sétimo mês de vida, porque só a partir dessa Cereais e Tubérculos(alimentos de base) /
idade o organismo estará preparado para Carboidratos / Arroz, batata inglesa, aipim,
recebê-los e digeri-los sem sofrer danos. maisena, farinha de trigo, farinha de
mandioca, fubá, macarrão, etc.
Inicia-se com a introdução de uma
refeição de frutas sob a forma de sucos Carnes, vísceras, ovos, leguminosas /
(em copo) ou papas, oferecidas com Proteínas, minerais (fósforo, ferro, zinco,
colher, em quantidades crescentes, de etc.) e vitaminas do complexo B / Proteína
acordo com a aceitação da criança, animal: carne de vaca,frango, peixe, ovos.
preferencialmente pela manhã. Deve-se Proteína vegetal: feijão, ervilha, lentilha, soja.
preferir frutas maduras, da região e da Vegetal (verduras, legumes) / Vitaminas e
estação, por se apresentarem em melho-
Fonte: Ministério da Saúde, 1998.
minerais / Cenoura, vagem, beterraba,
res condições de qualidade e preço. A abóbora, chuchu, tomate, folhas verdes, etc.
criança nessa idade já não acorda à noite
para comer e solicita refeições em ritmo Gorduras / Lipídios / Óleo vegetal (milho,
de quatro em quatro horas. girassol, soja, arroz, algodão), margarina,
manteiga, etc.
Para os que não são amamentados ao
peito, a fórmula infantil deve ser substitu-
ída por uma adaptada ao segundo se-
A proporção da mistura deve ser de
mestre de vida.
três partes do alimento base (carboidrato)
Após a aceitação das frutas, inicia-se a para uma do alimento protéico e uma dos
introdução da papa de hortaliças, oferecida outros grupos (3:1:1). Os cereais devem ser
com colher, em quantidades crescentes. Os oferecidos, de preferência, na forma inte-
gral.
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39. Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
À medida que a criança cresce e O sal e o açúcar devem ser evitados
adquire dentes, os alimentos devem na dieta infantil ou, se adicionados, em
ser preparados e cortados em quantidades mínimas.
pedaços pequenos.
Os ingredientes da dieta devem ser
A partir de sete a oito bastante variados para evitar monotonia
meses, a criança deve comer no sabor e fazer com que ela seja mais
a papa de hortaliças em duas nutritiva. Cada refeição deve apresentar
refeições diárias (almoço e alimentos de cores variadas.
jantar).
Ao completar um ano, a criança já
Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi
Os grãos de leguminosas, tem condições de comer o alimento
bem amassados, podem ser habitual da família.
incluídos aos oito ou nove
meses. Antes dessa idade, No segundo ano de vida, ocorre redu-
utiliza-se o caldo das ção natural do apetite. Isso se deve à
leguminosas pela dificuldade diminuição da velocidade de crescimento.
de digestão da casca dos seus A criança amamentada ao peito deve
grãos. continuar com leite materno. Caso
Ovo, pescados e tomate contrário, já pode utilizar leite integral.
são introduzidos na dieta a Evita-se oferecer doces, guloseimas,
partir dos nove meses, por refrigerantes, alimentos em conserva,
serem alimentos que provo- enlatados e coloridos artificialmente,
cam alergias em algumas por conterem substâncias nocivas ao
crianças predispostas. organismo. O regime ideal segue a
pirâmide dos alimentos.
Aos nove
meses, a criança Pirâmide dos alimentos
já é capaz de Na sua base, temos as fontes de
pegar os alimentos (pão, carne, biscoito, carboidratos complexos, que devem ser
etc.) e leva-los à boca. consumidos em maior proporção, e
fibras. Esses alimentos são os cereais
Quanto ao tempero da papa de horta- (principalmente integrais) e os tubérculos.
liças, podem ser usadas ervas aromáticas No centro, as fontes de proteínas,
(salsa, cebolinha, etc.), cebola e alho. vitaminas, minerais e fibras (vegetais),
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